Iniciei este espaço em Julho de 2012. Até Novembro de 2019 tinha publicado 12 breves textos. A ideia era deixar aqui nota da leitura e estudo da obra de Dalila Lello Pereira da Costa.
A partir daquela data não me foi possível prosseguir e a iniciativa ficou ao abandono, infinitamente menos pelas contingências da vida do que por não ter alcançado «a ultrapassagem de uma primeira leitura imediata do conteúdo e do estilo da [sua] escrita [...], superado o "mar tenebroso" da sua decifração simbólica e o choque racional sentido» [a expressão é de Miguel Real, em estudo publicado pela Editora da Universidade Católica, na colectânea editada em comemoração do centenário do seu nascimento], condição para ser capaz de mais do que entender, sentir o conteúdo e o significado do que escreveu.
Como com clareza o referiu o Padre Ângelo Alves no prefácio ao livro que de seguida anunciarei: «Para quem se situe dentro do logicismo racionalista, medindo o real pelo racional, ou, em teologia, se limite aos cânones do dogma e sua explicação intelectualista, histórica e culturalmente situada: quem possuir uma mentalidade filosófico-teológica tradicional, inclinada a medir todo o experimentalismo religioso e místico dentro dos parâmetros da ortodoxia ou heterodoxia, enfrentará, certamente, a obra mística da Dra. Dalila como um castelo amuralhado, em colina altaneira, envolto em nevoeiro denso» [página 8]. E continua, permitam-me a citação: «A esse nevoeiro uns darão o nome de ecletismo religioso, outros, de esoterismo filosófico-místico e outros ainda, de gnosticismo cristão».
Fui entretanto reunindo o que julgo ser a quase totalidade da sua obra.
Volvi, entretanto, sobre os próprios passos e retomei, agora em leitura vagarosa, a "biografia espiritual" intitulada Os Instantes, edição conjunta daquela mesma Universidade e da Lello Editores, vinda a público em Dezembro de 1999. Fica sem porquê como é que tal me sucedeu.
Foi-me possível, enfim, o primeiro passo da desocultação, de imediato da existência desta biografia com tal perfil e não o relato de vida de um ser material, corpóreo, dotado de vivência exterior social, familiar, pessoal, em suma, o que dá azo e pretexto a tantas narrativas do passado próprio ou do pretérito alheio.
Ter escrito uma biografia com aquele perfil, não foi opção de Dalila, mas resultado da circunstância, por ela detalhadamente revelada neste livro de 85 páginas, de um «caminho de interioridade» que lhe permitiu ter alcançado o «possível atingimento duma iluminação», fruto dos «raros instantes a nós concedidos de apercepção ou união com o divino, como atingimento da plenitude da vida», esses que são os «conduzentes e determinantes do percurso tomado nessa vida», ante os quais «todo o resto, como acontecimentos terrenos duma biografia, se poderão ver tão-somente, como vestígios de morte, pertenças de nosso falso eu, externo» [página 23].
Delineado qual o caminho, o leitor pressente a sua imanente natureza, logo anunciado pela autora: «Assim, seremos, em cada um de nós, um meio, imperfeito e na humildade, de transmissão, na secreta economia do divino, pela qual Deus Absconditus se revela num mundo terreno, num dos Seus nomes».
Tudo isso resultou não de estudo prévio, intelectualizado, orientado a procurar a verdade congruente, mas de estados extáticos, cujos momentos, configuração e sinais descreve [páginas 28-44], os «três instantes», o primeiro ainda em Coimbra, na Primavera de 1938, o segundo ao fim da tarde do dia 1 de Setembro de 1947, no Porto, o último ao fim da tarde também, do dia 30 de Janeiro de 1968, em Charleroi, cidade belga, situada na região da Valónia, tudo seguido de anúncios convergentes por «múltiplas imagens [...] sempre nesse ver sem imagem sensível; nunca o exterior em alucinações» [página 36].
Descreve-os no seu artigo de primícias, publicado em 1970 na revista Esprit, levado a livro, em Portugal e publicado em 1972 como um dos capítulos do livro A Força do Mundo. A eles regressarei e a este livro.
E enuncia-os com a íntima certeza de que «estes três instantes, vivido entre Coimbra, Porto e Charleroi, ao longo desse anos, seriam os que fundamentaram e determinaram um percurso então escolhido por uma existência; como marcados pela vontade providencial, escondida. Nunca nada é fruto do acaso».