18 agosto 2012

Promessa e dom


A ascese como forma de aquisição do Absoluto, eis a vida iniciática de Dalila. Quando escreveu o ensaio para a revista Esprit teria ocorrido apenas «duas vezes, únicas», separadas por onze anos, aquele «número de instantes» em que, por via do «silêncio, a imobilidade, a soledade; e também a presença duma doce e brilhante luz do sol» a mística lhe surgiu. Viria a referir um terceiro no livro Instantes uma terceira.
O primeiro deles, «o instante de ouro», ter-lhe-ia ocorrido em Coimbra, na Primavera de 1938 «por volta do meio-dia, à sombra duma grande pittosporum dum jardinzinho fechado, silencioso e solitário da Casa dos Coutinhos junto à Sé Velha, então Lar do Sagrado Coração de Maria, com raparigas universitárias», na forma de «uma intensa luz, tão doce, e que não era a luz deste nosso sol», momento em que «o fora e dentro eram indiscerníveis, idênticos, num único e inseparável todo; a luz também inseparável e indiscernível da paz, silêncio, liberdade e amor; em total despojamento, esquecimento do mundo: quádrupla raiz divina, com atributos de um só e único Todo, ele inominável; em dom concedido gratuitamente».
Se o cito é porque a sua rememoração é ilustrativa da forma pelo qual a chama se lhe incendiou, «como promessa e dom supremo concedido por Cristo». Eis, copiando da sua escrita, nisso incluindo a invulgar forma de pontuar, tão típica como se assim marcasse uma outro modo gramatical de respirar o dizer:
«Que nesse instante, por ele anulou, como conhecimento-vivência, toda a realidade rodeante. Seu fim, como lento abandonar, sendo sentido como queda nessa realidade terrena. Instante concedendo um conhecimento de certa certeza absoluta, irrefutável, da existência de outro mundo e vida possível, em separação total deste; sem tempo, de antes e depois, sem espaço de aqui e além: como centro do mundo e da vida: eixo imóvel, dum mundo e vida que à volta rodam incessantes».