A gentileza do Pedro Teixeira da Mota permitiu-me encontra este opúsculo, publicado em 1982, a seguir ao livro Os Jardins da Alvorada - pelas Edições Nova Renascença, de que foi editor José Augusto Seabra Pereira, ilustrado com uma pintura de Zita Magalhães.
São apontamento de inestimável riqueza, iniciados em Maio de 1950 e que terminam a 14 de Janeiro de 1981.
O tema, como o nome do livro anuncia, é a cidade do Porto, a sua cidade, e o rio Douro. Mas esse é o ambiente onde tudo ocorre, o Douro Escondido, em cujo «leito tubularmente corria outro rio, à luz de outro sol».
Porque, do que se trata, afinal, é de uma «viagem imaginária», da beleza transcendente, do mistério, da contemplação de paisagem e vida e, sobretudo, de uma visão contemporânea, como por sonho em vigília, de um outro tempo da mesma cidade e do mesmo rio, a ressurreição da passado.
«Quantas vezes me tinha aparecido de noite uma sua rua, ou um seu recanto, tal como tinha sido noutros tempos», anuncia Dalila, na «carta (não enviada) a um historiador da cidade».
Escrita familiar com o onírico, a realidade coeva ressurge aí, assim, como visão a anunciar estados prenunciadores de um êxtase, de que um «segundo conhecimento, pela leitura» confirma a existência.
Escrita interrogativa, segura na invectiva quanto à certeza do seu modo de conhecer, jogo de adivinhação e memória, pergunta: «quem nos dá a célere visão do passado a profecia, quem nos marca as datas predestinadas do tempo? diz, ó seguro construtor e tantas razões.»
Momentos há, nesta breve obra de 72 páginas, de puro refinamento, sensualidade solta em céu espiritual, como o da visita à Casa Amarela das Águas Férreas, onde viveu o historiador Oliveira Martins, na qual se reuniam os Vencidos da Vida e onde Antero Quental se aproximou do suicídio uma primeira vez. Ali, onde «o passado como água estava submerso nessa fonte quadrada», onde de mulheres «leves lavores ainda subsistiam apenas visíveis em rostos delidos de bichos homens de pálpebras cerradas», o rio veio ao seu encontro, encontrando-a sob a ponte, «o arco negro rendado», e eis que «a sua água como passado calado veio ao meu encontro. Em onda redonda azul e macia abraçou meu peito e dele fui possuída. Num grito de espanto e gozo sufocado.»